10 outubro, 2009

Súbitos contos - Parte I

Sentado a beira de um canteiro de flores murchas,
dedos trêmulos banhados a brisa fria de uma manhã
laranja, aos dezessete anos leva uma vida boemia, pequeno
estudante de si e da vida escorrida pelos dias
em que passara admirando as cores por entre os ângulos.
Em volta, na grama acobreada um isqueiro e cigarros
amassados de um bolso rasgado, uma carta com letras
tremidas e marcas de suor, encarava sozinho a realidade
clara cegando seus pesamentos, olhava para o outro lado
e via uma chave, a que decodificava seu baú de lençóis
de noites passadas, mas eram apenas os papéis que ele guardara
das noites que o marcavam, com tinta e lâmina.
Com o olhar perturbado tentava encontrar na inquietação
das lembranças uma maneira de fugir daquele espaço tão
sufocante. Sufocante era a sensação mágica de ser livre,
logo afrente as estradas, um breve sonho pode ter pernas
e caminhar até onde quiser, e ele o fez.
Caminhando em linha reta numa estrada totalmente
sua, sua e só. Só e breve, incolor. Ficara louco
em pouco tempo, tantas árvores e jardins, animais
inexistentes e uma ânsia compulsiva e voraz de
aninhar em si tudo o que veria em volta,
das pedras as pétalas. O sentir já não fazia parte,
tudo o que contava e era necessário se resumia
nos passos que ele ainda iria dar... Até lugar nenhum,
lugar dele, felicidade alugada e passageira.
A fome de cigarros havia passado, pudera,
os cigarros acabaram nos primeiros cinco minutos
de andança. Se contentou então com a ideia exuberantemente
sórdida e brilhante de fumar-lhe os dedos,
se deliciando com o vapor da carne estragada
que ele viera maltratando por tanto tempo.
- Delícia de sabor!
Escorregava a frase por
entre os dentes amarelados.
- De que me serve as pessoas se estou tão bem
aqui, vagando no dia escuro em plena
manhã? E as minhas perguntas certamente tem respostas,
ou não sejam perguntas e sim ilusões, como esta agora.
E continuou andando sobre a névoa
que se formava num espaço que ele nunca imaginou conhecer,
algo que parte de um desenho e permanece no papel.
Ele poderia descrever pra si...
- Eu vejo, os galhos secos daquela árvore,
saboroso fruto podre que fazia moradia de fungos
no chão, uma cor amarelada, não tão bonita quanto
o amarelo das folhas de meus livros. De letras agora
só tenho as vomitadas da carta, vomitadas no
literal, os besouros de ar não me fizeram bem.
Pensava assustado, se fazendo a mesma pergunta:
- Será que estou a pensar alto? Não sei,
de repente acho que os pensamentos saltaram
de mim ecoando no ar, mas nem percebi, e tanto faz,
nunca soube de jardins mortos ouvintes.
Tempos depois ainda andando sobre a admiração
de Natureza morta, viva para ele, parou. Já
não mantinha consciência sóbria, tanto percebia
as flores se movimentarem como achava que elas
tinham vida e poderiam conversar com ele.
Num piscar de olhos sentou-se sobre um colchão
de grama não cortada, repleta de folhas secas,
herança do Outono que passara rápido.
Olhou atento para a flor que parecia mais
uma folha recortada e suja, dobrada em mil partes
e com odor de rato morto. Com o mais lindo
sorriso amarelo de contentamento ele a olhou
por um longo tempo, esticado ao chão, se desprendendo
do isqueiro na mão que trazia desde o início
fumando os dedos.
- Olá, flor! És o mais bonito tom amarelado,
essas rugas tuas em breve marcarão meu rosto também,
e, sinto que estou bem, agora a pouco me apaixonei
por um banco enferrujado no meio da estrada. Sabe,
ele parecia muito comigo, nossa utilidade teve
validade. (Silêncio). Sabe, se quiser, pode me chamar
de Mathias, não me incomodo, também não me incomodo
em tentar lembrar qual realmente era a minha inteção
hoje pela manhã.
Ainda tonto de tantas informações Mathias
levantou-se com cuidado e derramou uma gota
de seu suor sobre a flor.
Seguindo ainda a linha reta, dia cinza permanente,
roupas rasgadas e carta em um centímetro. Os dedos
já eram irreconhecíveis, não havia mais necessidade
de carne e vapor naquele momento. E, tanto fez,
ele continuava a andar e a ouvir o falar
das àrvores sem folhas, dos bancos enferrujados,
das flores murchas, já estava longe, feliz
e sozinho. Pelo menos as lembranças não morrem,
e não há final na história. Mathias continuou
vagando ébrio e estranhamente feliz,
de súbito, numa tomada de loucura agiu impulsivamente
para um mundo translúcido.

Continua...

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